O holocausto silencioso das mulheres a quem continuam a extrair o clítoris.
Este é sem duvida um dos temas tabu das sociedades ocidentais: todos sabem que existe, mas ninguém levanta muito a voz que o problema não é nosso e é bem mais fácil fingir que não existe. Esse é aliás um dos maiores males da humanidade, sabemos que existe mas preferimos ignorar os detalhes na base do respeito pelos usos, costumes ou tradições, ou porque pura e simplesmente aplicamos a máxima”longe da vista, longe do coração”
Pois por estes dias deu-me assim uma espécie de necessidade de saber mais sobre um costume bárbaro para uns, legítimos e indiscutíveis para outros.
Em que consiste afinal esta mutilação?
Dependendo da região, a mutilação varia de intensidade. No tipo de mutilação mais brando, a ponta do clítoris é cortada. Em alguns rituais, ele é integralmente extirpado (clitoridectomia). Na versão mais radical, é feita uma infibulação: são retirados o clítoris e os lábios vaginais e, em seguida, o que sobrou de um lado da vulva é costurado ao outro lado, deixando-se apenas um minúsculo orifício pelo qual a mulher urina e menstrua. Neste caso, a mulher "costurada" só é "aberta" para o marido.
Associada à castidade e à crença de que diminui o desejo sexual e reduz o risco de infidelidade, a mutilação é realizada sem nenhum tipo de anestesia, com instrumentos não-esterilizados como facas, navalhas, tesouras, giletes, tampas de latas ou mesmo cacos de vidro. Na infibulação usam-se espinhos para juntar os lábios vaginais maiores e as pernas podem permanecer amarradas por até 40 dias. O praticante pode ser um médico, uma parteira, um barbeiro ou uma curandeira. A menina é imobilizada com as pernas abertas e utiliza-se apenas água fria para intumescer esta parte do corpo.
As consequências
Como é óbvio, a mutilação genital feminina traz graves problemas à saúde. Os possíveis efeitos imediatos são muita dor, hemorragias e ferimentos na região do clítoris e dos lábios. Depois há o risco de contrair tétano, gangrenas, infecções urinárias crónicas, abcessos, pedras na bexiga e na uretra, obstrução do fluxo menstrual e cicatrizes proeminentes. A primeira relação sexual só é possível depois da dilatação gradual e dolorosa da abertura que resta.
Aquelas que foram infibuladas sofrem mais do que as restantes. A menstruação é incrivelmente dolorosa. No parto, podem acontecer complicações sérias para o bebé e para a mãe. Nessas ocasiões, elas precisam fazer a reabertura da vagina [abre-se cortando com uma navalha] e qualquer demora acarreta uma pressão às vezes fatal no crânio e na coluna da criança. Quando a mãe não faz a abertura da vagina, a saída do bebé do útero pode provocar cortes que vão da vagina ao ânus.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), estimam que cerca de 130 milhões de mulheres e crianças tenham sido já submetidas à prática da MGF e cerca de 2 milhões se encontrem em risco de serem circuncisadas.
E em Portugal?
No que se refere a esta prática tradicional e ainda de acordo com a OMS, Portugal é considerado um país de risco já que as comunidades migrantes aqui residentes e oriundas de países onde a MGF existe, poderão continuar esta prática e, para além disso, muitas mulheres já sofreram mutilação nos seus países de origem, necessitando de cuidados de saúde específicos, físicos e psicológicos.
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